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A CONEXÃO ENTRE SUA VIDA FAMILIAR E SEU MODO DE LIDERAR POR PAULO CORRÊA

Artigo escrito pelo inspirer Paulo Corrêa, Sócio Gestor da Keeptalent, e publicado originalmente no site da Keeptalent

Com longa experiência em palestras sobre gestão de pessoas, carreira e futuro do trabalho, recebi um convite para falar sobre Liderança e Família. Se você colocar essas duas palavras em um site de busca na Internet, as principais referências que vão aparecer remetem a temas como sucessão em empresas familiares ou sobre o papel de um líder dentro da sua estrutura familiar. No entanto, desta vez o enfoque era algo ainda pouco explorado: como ser um líder usando os ensinamentos que sua família lhe trouxe e como essa história influencia sua jornada como uma liderança no mundo corporativo.

É evidente que a trajetória de vida de cada um, com suas experiências e escolhas, define o modelo mental, a visão de mundo e, por consequência, sua forma de liderar. Somos seres indivisíveis, não conseguimos ser uma pessoa dentro de casa e outra completamente oposta no ambiente de trabalho. O que fazemos no círculo familiar reflete em nossas relações profissionais e vice-versa.

A família é o primeiro local onde criamos nossa identidade, nossos valores e onde vivemos nossas primeiras experiências. Dependendo do papel que tinha no passado ou tem no seu núcleo familiar atual, você pode replicar esse mesmo modo de agir como líder, muitas vezes até de forma inconsciente. Por exemplo, se você é o filho mais velho e sempre foi tido como aquele que resolvia tudo, pode se tornar um líder que assume todas as responsabilidades para si. Ou se era aquele que sempre amenizava as brigas entre os irmãos, pode levar esse lado conciliador em sua atuação como liderança. Dependendo do papel que você tinha, da hierarquia imposta e dos próprios limites estabelecidos, se eram muito rígidos, se todos podiam se expressar, tudo isso impacta no modo de como é um líder nos dias de hoje.

Este artigo publicado na Harvard Business Review afirma que pesquisas demonstram que nossas primeiras experiências familiares aparecem novamente em nossas interações adultas com frequência, incluindo as situações de trabalho. E que esses primeiros anos de vida familiar afetam como os líderes reagem à pressão e reagem quando os membros da equipe competem por sua atenção. Também se eles têm relações próximas ou distantes com as pessoas que se reportam a eles, se comunicam direta ou indiretamente, encorajam debates ou os fecham.

Pertencimento e colaboração

Eu vim de uma família grande e humilde. Sou o décimo segundo de uma prole de treze filhos. Logo cedo, decidi que queria contribuir de alguma forma e, aos sete anos, comecei a vender picolé nas férias de verão. Tinha muito orgulho de dar esse dinheiro que era resultado do meu trabalho. Isso me trazia uma enorme sensação de pertencimento, de gerar valor para aquele grande grupo no qual eu vivia. Contribuir, colaborar, ter responsabilidade, gerar valor, fazer a minha parte para que o todo funcionasse com o propósito de manter a família junta, alimentada, funcionando.

O mesmo vale para a vida profissional. Sendo um líder ou não, a coisa mais importante de sua carreira é gerar valor. Se você não gera valor, provavelmente não vai muito longe e muito menos conseguirá liderar. Quando você ajuda seus liderados a entender o porquê das ações e a terem este sentimento de pertencer, você consegue colaboração. E colaboração pressupõe dois requisitos muito importantes: confiança e objetivos comuns. Minha família me alimentava com confiança e de alguma forma era claro o que precisava ser feito e onde queríamos chegar.

Integridade e lealdade

Uma qualidade essencial de um líder hoje é a integridade. Ele precisa ser verdadeiro, saber claramente o que considera certo e errado e se ater a seus princípios. E desde muito cedo, pude aprender isso na prática. Quando era criança, fui a um mercadinho de bairro buscar algo para minha mãe e peguei alguns amendoins sem pagar, pois não tinha dinheiro para comprar. Ela rapidamente percebeu e me obrigou a voltar lá sozinho, devolver e pedir desculpas. A vergonha foi grande, mas o aprendizado de foi para a vida: sua honra é o que de mais valioso você tem na vida e como líder também. Se você não é leal com colegas, clientes, fornecedores por exemplo, saiba que seus liderados observam este comportamento e a leitura deles será, um dia talvez ele não seja leal comigo também.

Mais tarde, em uma grande virada em minha vida, precisei manter essa integridade comigo mesmo e com o que eu verdadeiramente sentia. Casei aos 20 anos e aos 25 já era Gerente de RH de uma empresa. Com pouca idade, já era bem-sucedido profissionalmente, mas pessoalmente não conseguia me sentir realizado e feliz. Larguei tudo que tinha, fui para os Estados Unidos, onde conheci uma nova cultura e tive novas experiências nos mais variados trabalhos. Quando voltei, dei uma guinada completa, terminei meu casamento e assumi minha homossexualidade.

Depois, casei com meu atual marido, abri minha própria empresa, adotamos dois filhos e iniciamos nosso próprio círculo da vida. E só consegui fazer essas mudanças e deslanchar em minha nova empresa porque estava íntegro comigo mesmo. Afinal, precisamos estar íntegros com nós mesmos, para depois conseguir fazer uma liderança que inspire as pessoas. A integridade começa dentro de você. Como líder é preciso ser verdadeiro. Mais do que nunca, precisamos de integridade, de pessoas que atuem aqui, mas que olhem todo o ecossistema que tem ao redor delas. Não adianta ser um profissional competente, mas que não respeita a natureza, que não respeita as pessoas, que é preconceituoso, que quer levar vantagem em tudo. Um líder para ser referência e se tornar inspirador precisa ser um líder cidadão e ético.

Diferenças e empatia

Passados 20 anos dessa reviravolta em minha vida, sou pai de dois adolescentes que me enchem de orgulho. E esta nova família continua a me ensinar muito sobre como ser um líder melhor. Eu acredito que o aprendizado na liderança é constante, você sempre tem como melhorar, aperfeiçoar, ter novos olhares, novas formas de exercer a liderança e contribuir com quem que você lidera.

Meus dois filhos são completamente diferentes, um muito calmo e no tempo dele ou outro mais agitado e querendo tudo para ontem. Assim, vou aprendendo que o que funciona com um, não serve para o outro. E não adianta querer agir do mesmo modo com os dois ou simplesmente mandar. É preciso conversar, tentar entender e exercitar minha empatia. Tenho que procurar formas diferentes que possam convencer, influenciar, e isso tudo está ligado no jeito que você lidera a sua equipe

Além disso, é um claro exemplo da importância de uma liderança situacional, que entende as diferenças e atuam para combiná-las da melhor maneira na gestão da equipe. Perceber que todos podem contribuir de alguma forma e extrair o melhor de cada um pode fazer grande diferença na sua liderança. Você não vai ter um time 100% de estrelas, mas a conjugação de muitos perfis diferentes e complementares. Liderar é ajustar as competências individuais para o time ganhar o jogo.

Estimular e escutar

Outro ponto importante como líder é compreender que é preciso dar instrumentos para que esses talentos possam crescer, possam florescer. Na adolescência, como eu gostava de estudar, minha mãe de algum jeito me deixava mais livre para a escola e isto fez um grande diferencial na minha vida. Encontrar espaço para buscar conhecimento e contar com apoiadores nesta jornada pode fazer uma diferença fundamental. Estimular as pessoas a se desenvolverem, apontando direções e dando condições é papel primordial da liderança, especialmente nesta era do aprendizado contínuo. Minha família percebeu cedo que eu tinha esse gosto pelo estudo e como líder é preciso identificar essas vontades nas pessoas, para estimular e inspirar.

E como você descobre isso? Aí vem mais um ponto essencial dentro das família: a conversa. É preciso reservar tempo para conversar, para entender as pessoas, pra mostrar sua atenção para elas. E na rotina do dia a dia você não faz isso, então, se você não gerar gatilhos para essa conversa com a equipe que você está trabalhando, com a equipe que você está liderando, você deixa de conhecer um universo que é fantástico.

Autoconhecimento e crescimento 

Para perceber todos esses aprendizados que acontecem dentro das famílias e conseguir aproveitar da melhor forma como um líder, é preciso ter consciência de como fomos influenciados em nossos núcleos familiares e como isso nos impactou. E essa consciência só vem por meio de muito autoconhecimento. Vejo que hoje as pessoas gastam muito tempo estudando, fazendo faculdade, se aperfeiçoando, fazendo curso técnico, mas gastam pouco tempo olhando pra elas mesmas. Gastam pouco tempo se autoconhecendo, e se você não faz isso, você não consegue perceber as reações que você tem o como você pode agir. Quando você faz isso, você consegue entender melhor aquilo que te expande, mas também aquilo que te limita. Muitas vezes, aquilo que te limita, você não consegue controlar no automático, mas se você tem consciência disso, você pode buscar algum ajuste. Por isso, invista no autoconhecimento, que pode ser buscado por meio de terapia, coaching ou outras técnicas. O importante é se conhecer e aceitar suas próprias vulnerabilidades. Sabendo quem você é e mostrando isso para seu time, você consegue com que as pessoas se conectem com você e colaborem, e colaboração é fundamental para uma boa liderança.

Liderança e espontaneidade

Dependendo das circunstâncias, do cenário, todos podem conseguir liderar. Mas essa capacidade de liderança precisa realmente vir de dentro. Para alguns, isso começa muito cedo, ainda nas primeiras experiências como crianças, sendo o líder de um jogo, de uma brincadeira, ou na escola. Ainda na adolescência eu percebi que em determinado momento a classe começou a me eleger para liderar a turma, a escola me recomendou para liderar o grêmio estudantil e para realizar apresentações. Quando comecei a trabalhar na empresa comecei a assumir papéis e a fazer e a coisa foi acontecendo a ponto de eu ser indicado. Isso foi um processo natural. Eu realmente me surpreendia com estes movimentos porque eles eram espontâneos, ou seja, eu não pedi para estar ali e mesmo assim estas oportunidades vinham. Às vezes as pessoas esperam ter o cargo de líder para agir como tal, mas acho que o processo é completamente inverso. A liderança é um movimento que acontece, não espere ter o cargo para liderar, atue como líder e ao fazer isso a liderança simplesmente vai acontecendo.

Enfim, são muitas histórias. Com certeza, cada uma delas trouxe reflexões e me deu instrumentos para ser um líder melhor. No final das conta,s líder é aquele que guia, que entender e tira proveito das diferenças, que percebe que cada um pode contribuir. Liderar significa ouvir, ter empatia, inspirar. Liderar tem a ver com ensinar e também aprender. Com respeito e cuidado. Com lealdade, com boa vontade e com fé. Fé no sentido de acreditar nas pessoas, acreditar no propósito do que escolheu produzir, em gerar valor, em fazer parte de um todo.

Técnicas e instrumentos certamente ajudam e muito, mas a essência de liderar com paixão e com amor está dentro de você e continua sendo construída com toda a sua história de vida. Esta é a minha, pare e pense um pouco na sua, certamente vai te ajudar a descobrir muitas sacadas e bons caminhos que te ajudarão a ser um líder melhor.

Assista aos episódios da série Líder Experience clicando aqui